[DIÁLOGO SOBRE OS ESTALOS VOCABULARES]

[Sobre qual tema vamos conversar, senhor?

Sugiro os estalos vocabulares.

É um bom tema, mas confesso: jamais presenciei um estalo vocabular.

Há muito observo os estalos vocabulares, especialmente nas primeiras horas da manhã.

Presumo que tenha chegado a saborosas conclusões.

Saborosas não digo, mas impressionantes. Os estalos vocabulares ocorrem no miolo das vogais e se alastram pelas consoantes. Diria que, proporcionalmente, cada estalo vocabular equivaleria a uma bomba de Hiroshima.

São espontâneos?

Necessitam de estímulos. Por exemplo, com o grafite. Ou com a ponta de um estilete. Ou com a lâmina de uma goiva.

Nunca pude imaginar que os vocábulos fossem serem vivos.

E são. Lembram os moluscos. Possuem carapaça. E rastejam. Rastejam como os caramujos.

E por que estalam?

Os estalos procedem de cápsulas localizadas no dorso dos vocábulos. Cada cápsula possui matéria altamente condensada, com potência para irradiar uma energia descomunal pelas frases. Tão descomunal essa energia que, em alguns casos, é capaz de cegar um leitor.

Deduz-se disto que ler é então uma atividade de alto risco.

Ler é morrer a cada palavra lida. E sem essas mortes provocadas pelos estalos vocabulares a leitura é morna, insossa, frígida, insignificante. Eu sempre digo: um texto ruim é aquele que perdeu os estalos vocabulares.]

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