[BEETHOVEN E A QUEDA DOS POETAS]
[a sonata para piano nº 11, de beethoven, opus 22, logo no primeiro de seus quatro movimentos, envia semicolcheias aos ares desde aquela sala do segundo andar do palácio das artes, com janelas para o parque municipal.]
[é o ano de 1977.]
[a melodia que se impõe, estruturada em ré, fá, ré, parece deter a tarde, parece estancar o tempo, até que no allegro do segundo movimento começam a cair poetas das árvores, caem como se frutas, um a um os poetas caem das árvores do parque, jamais se viu tamanho fenômeno na cidade desde que aquela avioneta, pelos meados do século, tentou bombardear nuvens para estimular a chuva.]
[tantos poetas, poetas aos magotes despencados das árvores.]
[e quando o minueto de terceiro movimento espraiou, pela mão esquerda da pianista, a dança das semicolcheias, o chão do parque já era um campo florido de poetas. o maestro, que conduzia o ensaio, chegou à janela, acendeu o cigarro bem enfiado na cigarrilha de madrepérola, pigarreou, sentiu uma pontada nostálgica e saudosa de sua itália, e abanou a cabeça de contrariedade ao observar a paisagem de poetas caídos.]
[o rondó do quarto movimento agora começava.]
[belo horizonte, que andava tão magra de acontecimentos, exibiu a sua fenomenologia de poetas
em queda, naquela vegetabilidade tão estranha de frutas e frutos.]
[o acorde que beethoven mais tarde usaria na appassionata contaminou os olhos do maestro com a beleza daquele arpejo.]
[o italiano quase soluçou de emoção.]
[pela avenida passaram dois carros militares com recrutas armados.]
[era a vida fardada daqueles tempos.]
[por isso mesmo, os acontecimentos mais doces e fulgurantes foram se reunir em quase festa na lavoura de poetas caídos.]
[e na sonata de beethoven ainda havia esperança.]
Obrigada
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