[CERTA VEZ, NA CASA DOS CONTOS]



Até o ventinho da tarde parecia áspero quando o casal entrou e escolheu uma mesa de canto, rente a uma das janelas que dava para a Rua Rio Grande do Norte. 
Ele, brusco, acomodou o corpanzil na cadeira. 
Ela, miúda, manteve a cabeça baixa e os óculos escuros ao se sentar.
Vazia estava a Casa dos Contos naquela hora, razão para se ouvir com nitidez o silêncio que eles mantinham um de frente para o outro.
O garçom, baixote, ruivo, tido como um talentoso plantador de orquídeas nas horas vagas, levou o cardápio.
Ele, debruçado sobre o próprio mutismo, levantou a cabeça apenas, as mandíbulas muito contraídas, a cara que lembrava a cara de um pugilista em final de carreira.
O ventinho da tarde, já áspero, agora parecia ter espinhos. 
Afastado, enquanto aguardava algum aceno, o garçom viu com tédio as figuras dos dois como que de bronze ou como que talhadas na pedra.
A silhueta do casal, imóvel, congelada, parecia recortes negros na contraluz da tarde.
Nada pediram ao garçom no tempo em que ali ficaram, nem o garçom sentiu vontade de incomodá-los.
Em volta, as mesas foram ocupadas, o silêncio já não era mais silêncio, e os espinhos do vento pareciam espinhos fictícios.
Já noite, ele pôs sobre a mesa uma farta gorjeta. 
Levantou-se.
Arrastou a cadeira como quem puxa um bicho morto.
Ela manteve os óculos escuros. 
Levantou-se.
A correntinha no pescoço denunciava um tempo muito antigo.
E dava muita aflição vê-los sair do bar e subir a rua daquele estranho jeito. 

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