[O HOMEM DOS FRACASSOS ACUMULADOS]
[o homem dos fracassos acumulados veio hoje à loja. comprou pregos, alfinetes e um rolo de barbante. conversamos um pouco, à porta, sobre temas diversos: o tempo, as aranhas, shakespeare, pacamãs. praticamos também o silêncio entre as frases, robustos silêncios que engordam as pausas, esse tempo largo das elucubrações sem palavras, só o cinema em correria louca lá onde o fundo, o fundo sem fundo de cada um, os que somos viventes. o homem dos fracassos acumulados pendia o embornal no ombro esquerdo, os sapatos eram os mesmos, os de sempre, avariados sapatos que pareciam vindos da guerra, ou da última revolução que não houve, aquela que brotou, deu pendão e logo se apodreceu. "com esse vento, com certeza, não chove", ele disse, por fim. "é vento que espalha nuvens", respondi. "ainda lê a história do rei lear?", ele quis saber. "de tempos em tempos, vou lá e repasso umas frases, em recreio", eu lhe disse. o homem dos fra...