[escrevo este poema porque me faltaram pregos. os pregos para fixar a tábua. a tábua para construir a mesa. a mesa.]
[com o martelo em declive, percebi a lacuna, o orifício, a falta. é que os poemas só tentam substituir os abismos.]
[os poemas não são caminhões azuis em curva morroacima, os melancólicos caminhões com os seus motores agônicos.]
[os poemas não são o aguaceiro em oblíquas, num lado só das cumeeiras, a banda canhota da chuva, os poemas não são.]
[mas escrevo este poema porque me faltaram pregos. era um projeto de mesa, a mesa para receber as gentes, as gentes.]
[as gentes em comunidades, gentes esburacadas pela ausência de armas, as gentes quase invisíveis pelas asas da bondade.]
[faltaram-me os pregos para a tábua, faltaram-me os pregos para a mesa, e as gentes, em sandálias, ficaram sobre a pedra.]
[a pedra de gelo que se esvai ao sol, a pedra sem peso na palma.]
[na palma de mãos tão dadas, mas impróprias para a natureza do poema.]