[SOMOS TODOS PERSONAGENS?]
Pela rua ou pela estrada afora, você vai sendo você mesmo ou vai sendo outro ou outra? A pergunta é oportuna. Ou pertinente. Isto porque há quem diga que todos nós somos nada mais nada menos do que personagens. Personagens de bons ou maus livros, de boas ou más histórias. Quem sabe se este senhor que você acabou de cumprimentar na descida da rua Nelson Gallo em direção à rua Oswaldo Cruz ninguém mais é do que o Rodolfo, personagem principal de um livro sobre colecionadores de libélulas?
Rodolfo certamente olhou para a minha estampa, eu com o meu boné e a minha sacola de compras (nela está escrito “Bahia é uma palavra bonita”) e pensou: “Este é o Vasco, protagonista do livro As laranjas do visconde. E aquele baixote que sobe a rua? Ah, aquele é o Adauto Cortes, cujo monólogo no livro Batam os tambores, garoto tanto comoveu os leitores e leitoras adeptos dos livros pavimentados e sustentados pela escrita de si. Ricardo Pôncio, por sua vez, pelo fato de ser personagem de um livro ainda in progress, é somente um vulto ou um espectro.
Enigmático e escalafobético mundo este no qual vivemos. Mundo pleno de armadilhas que trançam e enlaçam o nosso entendimento em nós apertados e complicadíssimos. Quem poderá entender as hipotenusas ou os catetos desse mundo em que todos, literalmente todos, somos personagens? E quem estará no comando dessas histórias infinitas? Alguma divindade? Algum demiurgo? Melhor não esperar resposta a tais questões. E se for um falastrão, um falastrão de lorotas, o comandante-em-chefe desse corso sem fim de gente que é outra gente, de pessoa que é outra pessoa?
Caminho pela rua Oswaldo Cruz nesta manhã de quinta-feira com a sensação deveras estranha de ser Jesualdo. Ou Fenelon. Ou Quincas. Ou Antenor. Visualizo enredos nos quais estou metido: capitão de um navio que naufraga na costa turca; jogador de cartas em um cassino na Mongólia; espião chinês; prisioneiro nas masmorras da rainha Hermenegilda, a Santa; dono de um barco rabelo nas águas do Douro; cavaleiro no bando de El Cid; tipógrafo da primeira impressão de Don Quijote ou piloto de zepelim. Tantas peripécias, tantos disparates.
E se você que me lê, ao contrário de ser Jaime, é o Euclides, aquele que?
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