[A OFICINA DOS BAUDELAIRES]

[estiveram dois baudelaires 
aqui na aldeia 
para ensinar poesia.
eram espigados 
e tinham à contraluz 
os cavanhaques. mancebos,
assim se aparentavam. girafos, 
assim eles se moviam.

estiveram os baudelaires 
em nossa mesa. 
mostraram gosto 
por um canário, 
mas de curió
eles chamaram o pintassilgo. 
javalis, mastigaram 
sem descanso 
o quintandário.

os doutos baudelaires 
vinham de muito longe, 
bem depois do morro 
que fica longe. 
se de trem chegaram, 
se de trem 
andaram, se de barco 
navegaram, 
eis o que não sabemos.

estiveram os baudelaires 
com os ditames 
da poesia. regra um 
e regra dois, evangelho 
dos evangelhos, 
o pode-não-pode, 
o isto-e-aquilo, verso 
em cima e verso embaixo, 
os engradados.

os baudelaires mostraram faróis 
que os poetas usam no cocuruto,
sem-vergonhadas lanternas, 
e assim as deles 
usaram para ver o debaixo da mesa: 
coxas de zilá, coxas de ceci, 
calcinha de loló.

muito tarde da noite os baudelaires 
ficavam e não partiam. dois
de nós com a paciência sem bateria, 
um de nós já sem ouvidos,
orelhas quentes, o sangue a rio, 
a raiva em garras para pedagogias.

só madrugada então os baudelaires 
tomaram rumo norte ou sul
às orelhas de outra freguesia. 
escrotos, iam com a poesia 
dentro de vasilhas ou dentro 
de botijas ou dentro de vidrinhos
ou na mancha dos fundilhos.]

Comentários