[A POESIA E A PROSA DUELAM NA TABERNA]

["dizem os pasquins
que somos inimigas", falou
devagar a prosa, o copo
devagar a prosa, o copo
sobre a mesa, aceso
o cigarro rente à testa, a voz,
a voz vinha de boca narrativa.
"inimigas não somos, se bem, devo
dizer, em algum momento senti
ganas de matá-la", disse a poesia,
o cigarro rente à testa, a voz,
a voz vinha de boca narrativa.
"inimigas não somos, se bem, devo
dizer, em algum momento senti
ganas de matá-la", disse a poesia,
com meio riso cônico e irônico,
com outro meio riso
fácil de notar que era um meio riso
assim entre o sério e o adusto.
"ah, também tive esses impulsos
assassinos", confessou a prosa, o foco
dos olhos sobre as próprias mãos
agora em repouso sobre a mesa,
fácil de notar que era um meio riso
assim entre o sério e o adusto.
"ah, também tive esses impulsos
assassinos", confessou a prosa, o foco
dos olhos sobre as próprias mãos
agora em repouso sobre a mesa,
o cigarro quase no fim,
o fôlego para as frases longas.
"seus deboches sempre
"seus deboches sempre
foram deboches de fraqueza",
respondeu a poesia, agora
com um cálice de bebida forte,
com um cálice de bebida forte,
se aguardente ou absinto,
as sobrancelhas franzidas,
elípticos os lábios
elípticos os lábios
com palavras bélicas.
"em mim você também lançou
"em mim você também lançou
as setas envenenadas", falou a prosa,
os braços-parágrafos
prontos para uma guerra,
prontos para uma guerra,
um discurso-fleuve
a um simples puxar do gatilho, dois
travessões aquartelados no queixo.
"e você sempre bebendo
a um simples puxar do gatilho, dois
travessões aquartelados no queixo.
"e você sempre bebendo
das minhas águas", disse a poesia,
que agora acendia uma cigarrilha
com os riscos de um fósforo-metonímia.
com os riscos de um fósforo-metonímia.
"tantos contrabandos,
tanto furto, tantos assaltos,
para depois me difamar nos intramuros".
e assim foi pela tarde o palreio
da prosa com a poesia. ora
um bater de latas, ora
um quase duelo. ora
o raio que o parta de um cruzar
de facas sobre o cerebelo.
de longe, ao fundo, os que moramos
aqui na aldeia
ouvíamos o transcurso do simpósio.
sei que homero
para depois me difamar nos intramuros".
e assim foi pela tarde o palreio
da prosa com a poesia. ora
um bater de latas, ora
um quase duelo. ora
o raio que o parta de um cruzar
de facas sobre o cerebelo.
de longe, ao fundo, os que moramos
aqui na aldeia
ouvíamos o transcurso do simpósio.
sei que homero
espreitava da penumbra,
sei que dante,
sei que dante,
no depósito, tinha atentas
as orelhas. sei que o goethe,
as orelhas. sei que o goethe,
aquele que lia nuvens,
de quando em quando
descia a vista para saber
descia a vista para saber
a quantas ia a tal pendenga
entre a prosa e a poesia.
foi-se a tarde, foi-se a noite. fez-se dia,
veio outra noite. cavalos
foi-se a tarde, foi-se a noite. fez-se dia,
veio outra noite. cavalos
entraram pelas janelas,
com os cascos sobre os batentes.
um javali, um dromedário, peixes
nadaram no seco,
um javali, um dromedário, peixes
nadaram no seco,
sozinhas as flautas tocaram.
tudo isto nós presenciamos,
tudo isto nós presenciamos,
os que somos aqui da aldeia.
o palreio da poesia
com a prosa, dia e noite, noite e dia.
isto até que a madrugada, igualmente
bebida, à taberna chegasse
e visse as duas sobre a mesa:
bêbada uma, bêbada a outra,
uma sobre a outra elas dormiam.]
com a prosa, dia e noite, noite e dia.
isto até que a madrugada, igualmente
bebida, à taberna chegasse
e visse as duas sobre a mesa:
bêbada uma, bêbada a outra,
uma sobre a outra elas dormiam.]
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