[ENQUANTO ACONTECIA A TARDE]

[eram pequenas as algaravias 
no mais alto dos galhos: nem pios,
nem silvos. eram só filhotes 

de barulho,
uns ruídos ainda sem nome,
ruídos-meninos 

dos que vão bem de manhã
à lavoura em companhia 
das formigas aventureiras.

ficamos sob os galhos à escuta
das pequenas algaravias. 
alguém cismou: será música?
 
não era. não era música ainda.
ia ser mais à tarde, 
quando acontecesse
o amarelo. 

é que o amarelo 
ainda estava no ninho,
e os ovos do amarelo 
 
estavam com os bicos
quase do lado de fora. 
alguém cismou de novo: 
 
vai ter música?
ia. ia ter música. 
era só esperar 
 
o amarelo das 16h39m.

um homem passou. 
ia de sandálias.
levava um cajado 
 
e duas inteligências
presas dentro de um pote. 
as inteligências
 
seriam usadas quando a noite 
abrisse as anáguas
de moça gostante de beijos. 
 
alguém cismou: 
teremos baile?
sim, respondemos. 
 
vamos ter baile. o baile
das moças gostantes de beijos.

o homem foi para perto do ninho. 
ia nascer o primeiro amarelo. 
depois outro. e mais outro.
 
as pequenas algaravias 
agora ganhavam o apelido
"de barulhos com música dentro".

foi quando alguém cismou de novo: 
é história sem fim?
era. era história de acabar só 
 
no muito depois.
o muito depois ficava no lado 
de lá do mar. 
 
só os marinheiros 
de topete amarelo cruzavam 
aquele mar do muito depois.

foi então que começou a música.]

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