[NA RUA ALFENAS, UM HOMEM CHORA DEVAGAR E MANSO]
[Usava boina e ostentava um par
de mãos que mais se pareciam
mãos de urso. Ele veio
pela Rua Alfenas, morro
acima, ali pelos lados
da Rua Cobre. As mãos
dele tinham graxa
de muitos séculos,
e os sapatos
eram muito assemelhados
com certas canoas velhas.
Ele veio, morro acima,
para o encontro
com Maria das Graças.
Se me perguntarem a hora,
eu direi: pouco mais da seis
da tarde. Se me perguntarem
o que eu via, eu direi: via
um sujeito de boina e o seu par
de mãos que mais se pareciam
com mãos de urso.
E não creio que aquelas mãos
um dia tenham feito carinho,
que tenham um dia provado
das artes do afago.
Maria das Graças estava sentada
Maria das Graças estava sentada
no meio-fio. Era magra,
mas nem tanto.
Dois brincos, dos de argola,
aciganados, pendiam quase
roçando a gola
de sua blusinha branca.
Maria das Graças tinha ares
de noiva. E o de boina, morro
acima, com as suas mãos de urso.
Muito devagar ele subia
e já sabia, de longe, que Maria
das Graças embelezava o meio-fio,
embelezava o mundo,
embelezava o fim da tarde
na Rua Alfenas.
O de boina então chegou,
O de boina então chegou,
mais rondou do que chegou,
ficou assim ao largo,
com o corpo fora de prumo.
E lá as mãos de urso
faziam sombras
em um muro cinza.
Se me perguntarem o que vi,
eu digo: o de boina
enfim se aproximou, e,
ao se aproximar,
chorou a primeira lágrima.
Depois chorou uma segunda.
Logo uma terceira lágrima
lhe desceu pela cara de cavalo.
O de boina chorava.
Aquele enorme homem,
com sapatos acanoados,
chorava baixo, devagar,
sem gemer, sem soluçar.
Chorava apenas, só o choro
puro e manso
naquele começo da noite
em Belo Horizonte, aos pés
de uma mulher
chamada Maria das Graças.]

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