[ESTOU FALANDO COM AS PAREDES]
disse sílaba a sílaba
o senhor jacques lacan.
era um sábado furta-cor
em paris, um sábado
de frialdade metálica,
de frialdade metálica,
amêndoas saltavam dos olhos
de cães negros,
de toda a parte
de toda a parte
surgiam os refugiados
com as mãos estendidas,
com as mãos estendidas,
e as chatas com meninos
e meninas pintados a carvão
não paravam de navegar pelo sena.
je parle aux murs,
não paravam de navegar pelo sena.
je parle aux murs,
disse sílaba a sílaba
o senhor jacques lacan.
e as paredes, altas,
e as paredes, altas,
mistura de pedra
e aço, não eram as paredes
e aço, não eram as paredes
da capela sainte-anne,
mas paredes elevadas
havia pouco tempo,
havia pouco tempo,
operários a mando
de senhores invisíveis
de senhores invisíveis
ainda acionavam guindastes,
eram paredes que durariam
mil anos, durariam
mil anos, durariam
às hecatombes, à bomba,
aos terremotos e tsunamis.
je parle aux murs,
je parle aux murs,
e a voz do senhor lacan
reverberava sobre aquela superfície
agora pintada em tonalidade neutra,
cinza, o acinzentado sem eco,
agora pintada em tonalidade neutra,
cinza, o acinzentado sem eco,
assonante, a voz ia e morria,
a voz era um grão
em sua vaziez infecunda
e estéril, a voz golpeava
o aço e a pedra, a voz ofegava
em sua persistência
em sua persistência
contra as paredes
elevadas pelos operários a mando
de senhores invisíveis.
elevadas pelos operários a mando
de senhores invisíveis.
e os refugiados, os refugiados,
os refugiados, os refugiados.
je parle aux murs,
je parle aux murs,
ele disse, e a voz era agora
voz incapaz, voz não penetrante
no impenetrável que os operários
no impenetrável que os operários
a mando de senhores invisíveis
ainda construíam, a voz
não achava o furo, o orifício,
a fresta, a ranhura,
a fresta, a ranhura,
o desvão, a mínima rachadura.
a voz só rebatia seu próprio
som irreprodutível:
som irreprodutível:
seco, surdo, silente.]
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