[DOIS ASSASSINATOS NA PORTA DO SUPLEMENTO]

[o primeiro assassinato aconteceu às 8h37 enquanto o delegado arturo bello, escondido no sótão do 13º distrito, lia macedonio fernández e sonhava com a buenos aires dos anos 1930.]

[o segundo assassinato, dois minutos depois, tudo indicava não passar de um assassinato falso, pois o corpo, conforme versões de boca em boca, poderia ser um boneco de feltro com a camisa do vasco da gama.]

[o suplemento filosófico "as acácias" ficava na rua da bahia, ao lado do busto de bronze de madame loló. achava-se ocioso naquele entrante agosto para reformas na sala dos retratos. o suplemento filosófico "as acácias" existia desde os tempos do governador benedito valadares. o delegado arturo bello, leitor de macedonio, costumava frequentá-lo para ouvir palestras sobre o rio de heráclito.]

[a notícia sobre os dois assassinatos tomou conta das mentes e das tagarelices dos cambistas da praça sete. o mistério é que ninguém sabia ao certo quem teria sido assassinado. falou-se muito. comentou-se demais. e as circunstâncias das mortes, seus motivos, suas causas, a identidade dos cadáveres, essas indagações todas ganharam as esferas magníficas das obras de ficção. a pergunta "quem morreu?" assemelhava-se à frase de entrada de um inesgotável folhetim.]

[o delegado arturo bello era casado com a acadêmica dolores vinski, especialista em lautréamont. foi ela quem indicou ao marido a figura ímpar de macedonio. tão ímpar que, até aquele agosto dos presumíveis assassinatos, o delegado havia enviado 87 cartas a ricardo piglia com as mais estapafúrdias perguntas sobre o autor de museo de la novela de la eterna. piglia, como se sabe, era um dos grandes especialistas argentinos sobre o amigo de borges.]

[como se vê, o delegado arturo bello passava ao largo de inquéritos, investigações, pistas, rastros, homicidas. tudo o que ele queria era subir ao sótão do 13º distrito e entregar-se aos prólogos intermináveis de macedonio.]

[o editor do suplemento filosófico "as acácias" provinha de linhagem sangue azul dos primórdios de ouro preto. tinha 28 anos, fama de pensador refinado, embora sem obra filosófica publicada. era rico. usava calças de veludo. e dobrava o r duas vezes para causar nos interlocutores o efeito-heidegger.]

[neste exato momento, sábado de uma tarde de setembro, césar aira aconselha-me uma suspensão nesta história. só por enquanto. concordo com aira. e peço aos leitores que aguardem mais seis meses até que arturo bello decida ou não dar curso às investigações. isto é: descobrir quem de fato morreu na porta do suplemento ou se tudo não passou de uma magnífica invencionice sabadal na rua da literatura.] 

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