[AS FERRAMENTAS DE ESCREVER]
Meu convívio afetuoso e amantíssimo com máquinas de escrever (ainda possuo uma Lettera 82 muito graciosa, presente do meu filho David) começou em 1971. Recém-chegado de Minas, obtive o meu primeiro emprego em São Paulo na bizarra função de limpador de tipos. A empresa ficava na Consolação, bem diante da Biblioteca Mário de Andrade. Eu não apenas limpava os tipos com uma borracha moldável, mas, também, entregava à clientela as máquinas já reluzentes e lustradas. Supimpas. Quixotesco, flanava a pé com as máquinas acomodadas no peito pelo centro velho da cidade.
Desse convívio inicial como faxineiro das borras de tinta acumuladas nos tipos, me transformei alguns anos depois em usuário, ao começar a minha vida de redator ali por 1975/76. As Olivettis e as Remingtons tornaram-se então minhas inseparáveis companhias. E as Remingtons de teclas verdes, paixão de tantos, seriam o patamar mais alto que os meus dedos (treinados em um curso de datilografia no bairro Calafate, em Belo Horizonte, ali por 1967 ou 1968) alcançariam na época, já como repórter da Agência Estado na sucursal mineira.
Do editor de textos em DOS, com a tipografia pulsando naqueles monitores monocromáticos, para o WORD, seria uma pequena fração de tempo, um corisco, um lusco-fusco, um voo de tiziu. De repente, as máquinas começaram a ser abandonadas. os primeiros terminais ocuparam os seus lugares na redação e cada repórter recebeu um Toshibinha que transmitia as matérias via FM. A conexão era feita mediante uma senha com mais de 20 caracteres que os dedos, mais do que o cérebro, inacreditavelmente logo decoraram e pareciam digitá-la com vontade própria.
Escrevo a lápis. O primeiro povoamento de texto que faço em qualquer folha de papel fica a cargo de um lápis. O lápis atravessou os séculos na mão de quem escreve, passou pela tecnologia das primeiras máquinas de escrever, altivo ladeou seu corpo franzino de lápis com as CPUs, os monitores e os teclados. Tenho aqui ao meu lado um cacho desses instrumentos tão iguais ao dia em que alguém decidiu prensar grafite no interior de um cilindro de madeira. E pouco ou nada mudou neles desde então. Sou tão afetuoso e amantíssimo com os lápis que até tive um gato chamado Lápis. Faleceu em janeiro, se querem saber.

Vi outro dia a Patti Smith entrar em uma loja de instrumentos de escrever (papéis, lápis, canetas, blocos, moleskines etc.) e se referir ao lugar como uma Meca. Sim, Meca. E é verdade. Como resistir à sedução daqueles papéis com tais e quais gramaturas e texturas, se gofrados ou não gofrados, e lápis, lápis comuns ou lápis-carvão, lápis 6B, tão macios, e as canetas, tantas, e o formato daquele bloco de notas que é perfeito para o bolso do casaco ou da camisa? Eis a fartura dos instrumentos de escrever. Todos eles híbridos como função utilitária e fetiche.
Fiz bem, no decorrer de todos esses anos, ter essas paixões pelas ferramentas de escrever muito bem cuidadas. E não me canso de homenageá-las.
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A segunda foto aqui postada é de 1978, na assessoria de imprensa do Palácio das Artes, em Belo Horizonte.
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