a paisagem quer ser lida, e a janela, o fogo, o trovão.
tudo quer ser lido e expõe sua textuaria ao mundo.
o homem que vai, a mulher que vem, o menino que atravessa a zona de sombra de um edifício: todos querem ser lidos.
escreve-se com o corpo, escreve-se com o silêncio.
e tudo isto quer ser lido.
débora, a transtornada, quer ser lida.
jader, o furioso, quer ser lido.
papéis, células lexicais na luz, geometrias vocabulares, arranjos de letras inscritas na pele: tudo quer ser lido.
o lado certo e o lado avesso do objeto querem ser lidos.
o objeto "a" quer ser lido.
as paredes rebatidas pela voz para dentro do analista querem ser lidas, e própria voz, para dentro, posto que é voz ouvinte, quer ser lida.
já não é mais só o poema, o romance, o tratado, o ensaio.
tudo quer ser lido.
adolfo, o pastor, quer ser lido.
hélia, a noviça, quer ser lida.
o olho que lê também quer ser lido, e a mão que apalpa, tato legente, quer ser lida.
quem não escreve quer ser lido, e quem escreve quer ser lido.
há o pássaro metálico de um pânico, e o pássaro quer ser lido.
e o pânico quer ser lido.
não importa que faltem olhos, não importa mais a escassez legente: tudo quer ser lido, todos querem ser lidos.
dança a letraria abundante pelos salões virtuais: tudo quer ser lido.
mesmo quem nunca leu, quer ser lido.
mesmo quem já morreu, quer ser lido.
eis as lápides, eis a saudade ou a indiferença pelo que agora é pó: tudo quer ser lido.
até a leitura quer ser lida.
a antileitura quer ser lida, e a antipalavra quer ser lida.
partículas fetais de vocábulos ainda para nascer querem ser lidas.
a finitude e a infinitude querem ser lidas.
o leitor que pede o autógrafo ao autor quer ser lido, e o aglomerado de sábado, à porta da livraria, mais do que exibível, quer ser lido.
o diálogo, mais do que a operação dialógica entre um e outro, quer ser lido.
a fala quer ser lida.
e a própria repetição infinita que aqui se faz e aqui se escreve quer ser lida.]
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