[VAGALUMES, VAGALUMES, POR QUE APAGARAM AS SUAS LUZES?]

[o furo de um verme na pele da manhã soçobra e aderna o barco que o fantasma de um mendigo desenhou nas muradas de uma ponte, a ponte que vai do nada para lugar algum.] 

[retenho desse instante o grito dentro de um copo vazio.]

[há um cristão com o punhal encravado nas costas de um anjo.]

[o fundo das agulhas recusou a passagem dos camelos,
e o reino dos céus, com fila nos caixas, foi tomado pelos banqueiros.]

[a vaca engole os seus intestinos.]

[ursos comem os seus filhotes.]

[e os vermes furam e furam a pele das manhãs.] 

[nada sabemos desse degrau que recebe um passo depois de outro passo.]
 
[trôpega senhora, trôpego senhor, trôpega família que alisa os seus fuzis.]
 
[vão atirar em mim, em você, já atiram desde cedo no vulto que o espelho emitiu de uma abstração desnuda.]

[comemoram com os fuzis a retomada da ordem.]

[as lagostas em mar de gelo, os filhos com o que lhes restam de cérebro na dobra dos bíceps.]

[os conversíveis, desde as garagens, dão ordens aos empregados.]

[miami inunda as salas com holografias de delírios, e o avô pergunta ao cachecol quando será a guerra.]

[o deputado-clone, com pedras no idioma, chega à varanda.]

[traz um fuzil.]

[traz uma pistola.]

[saúda, com as mãos para o norte, o deputado-topete.]

[e o avô pergunta ao cachecol quando será a guerra.]

[este é o livro em branco que não escreverei desde esta praça de subúrbio.]

[abro em traços as palavras não mais vocalizadas.]

[este é o livro de ecos que não escreverei desde esta ponta de precipício.]

[vagalumes, vagalumes.]

[por que apagaram suas luzes?]

[neste ano de 2024, há 1.524 anos que o ouro se acumula nos intestinos do pai, da mãe, dos filhos.]

[há 1.524 anos que essas hordas saem cedo dos palacetes para a caça ao índio, ao negro, ao sem voz, ao sem teto, ao friorento menino com as cáries nos olhos.]

[e o avô pergunta ao cachecol quando será a guerra.]

[vagalumes, vagalumes. por que apagaram as suas luzes?]

[não há mais o caminho dos exílios.]

[os vermes agora corroem as bibliotecas.]

[os pelotões já fuzilam até mesmo a metafísica.]

[as valas comuns recebem os corpos da morte em efígie.]

[e o avô pergunta ao cachecol quando será a guerra.]

[atiradores abatem mais um professor.]

[poetas são enforcados com arames.]

[as siderúrgicas, gárgulas de ferro, desovam ovos armamentistas no colo dos passantes, os matadores, os servos dos templos-quartéis.]

[e o avô pergunta ao cachecol quando será a guerra.]

[esta madame que reza ao marido, todas as noites, as novenas da usura.]

[esta madame que se benze todas as noites para o rito de atiçar os cachorros, de tecer os mantos do escárnio, de alisar as pérolas do autoengano. e o avô pergunta ao cachecol quando será a guerra.]

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