[QUIXOTE DESPUXA ANGÚSTIA NA PRAÇA DA LIBERDADE]

[foi do quixote a ideia 
de irmos hoje despuxar angústia 
na praça da liberdade. 
é bem verdade que os mineiros 
só conhecem a via contrária, 
isto é, puxar angústia, 
do modo como faziam 
os nobres cavaleiros 
de um doce apocalipse, 
isto é, otto lara resende, 
fernando sabino, 
paulo mendes campos 
e hélio pellegrino. 
pois fomos hoje despuxá-la, 
quem sabe desenredá-la, 
quem sabe espantá-la, 
dar um susto na angústia.

a angústia se achava sentada 
em um banco 
e tinha aquelas feições próprias 
da angústia — limão puro no céu 
da boca, dolorosos narizes, 
abissal desejo por abismos. 
e lá estávamos, o quixote e eu, 
diante dela. 
e até que não era feia, 
se a olhássemos 
por determinados ângulos. 
achei, por exemplo,
bonitos os joelhos da angústia 
e muito delicados 
os dedinhos de sua mão esquerda. 
e quixote viu nela o fio 
— a ponta do fio — 
por onde deveríamos despuxá-la. 
era um fio dócil, com laço na ponta.

e assim fizemos, 
começamos a despuxá-la, 
começamos a desenredá-la, 
começamos a desnovelar a dita 
cuja em novelos intermináveis. 
e de repente tínhamos uma angústia 
toda desnovelada, 
quase obra de um gato 
com um novelo de tricô. 
quixote despuxava de um lado, 
eu despuxava de outro.

sacra filosofia, desmantelados 
juízos. era uma angústia 
com centenas e centenas 
de pontas, fios inacabáveis, 
labirínticas costuras, 
alucinados nós de borromeus 
em raciocínios lacans. 
e então 
— foi igualmente uma ideia do quixote — 
resolvemos por um tratamento 
de choque: pusemos 
a angústia para andar de bicicleta.]

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