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Mostrando postagens de março, 2025

[DECÁLOGO PARA A ARTE DO CONTO, EM DIÁLOGO COM O DECÁLOGO DE JULIO RAMÓN RIBEYRO]

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1.Pode um conto não contar uma história. Mesmo assim a história estará sendo contada. Por exemplo: a história do rosto do leitor que lê um conto que não conta uma história. 2.A história em um conto pode estar na borda, no limite, na sangria: quase saindo do conto. Se o contista for esperto, a história que fica nas beiras do conto pode ganhar os olhos do leitor. 3.Quando um conto vai além do tempo que se consome para tomar meia garrafa de cerveja, calmamente, sem goles longos, muito provavelmente esse conto já não quer ser conto, embora não seja ainda uma novela. 4.Se porventura o conto possuir uma história, essa história deve ser assemelhada com os olhos de uma mulher em estado de paixão. É um redemoinho que suga, traga, puxa, consome irremediavelmente os olhos do leitor. Se nada disso ocorrer, é bem capaz que o conto e a história que porventura possuir o conto sejam nada mais que uma pedra de gelo, em derretimento. 5.A partitura por onde navega o conto deve ser hábi...

[O CORAÇÃO DE BILLY THE KID]

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1. No quilômetro 729, numa curva, pouco antes do Povoado das Lacrimosas, você vai ver cinco árvores.  2. São cinco jacarandás.  3. O terceiro é o mais velho, e é ali, um pouco à direita, onde há um marco de pedra, que está enterrado o coração de Billy the Kid.  4. Foi por amor.  5. Por um raio de muitas léguas, em qualquer birosca de beira de estrada, você vai ouvir a história.  6. O nome dela seria Orcanda, Orlanda, Ordália, Olinda — tantos nomes de boca em boca para referências a uma só pessoa.  7. Mais correto seria Ordália, filha de Josué e Mercês, Ordalita para os mais íntimos.  8. O amor chegou com fogo baixo, cresceu com algumas labaredas, virou incêndio pela altura de um setembro — há quem fale em outubro.  9. Billy the Kid era motorista de uma Scania entre Uberlândia e Jaboticabal — arroz nas viagens de ida, cerâmica nas viagens de volta.  10. Ordalita sempre punha os seus vermelhos (batom, vestido e unhas) quan...

[NA RUA ALFENAS, UM HOMEM CHORA DEVAGAR E MANSO]

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[Usava boina e ostentava um par de mãos que mais se pareciam com mãos de urso. Ele veio pela Rua Alfenas, morro acima, ali pelos lados da Rua Cobre. As mãos dele tinham graxa de muitos séculos, e os sapatos eram muito assemelhados com certas canoas velhas. Ele veio, morro acima, para o encontro com Maria das Graças. Se me perguntarem a hora, eu direi: pouco mais da seis da tarde. Se me perguntarem o que eu via, eu direi: via um sujeito de boina e o seu par de mãos que mais se pareciam com mãos de urso. Não creio que aquelas mãos um dia tenham feito carinho, que tenham um dia provado das artes do afago.  Maria das Graças estava sentada no meio-fio. Era magra, mas nem tanto. Dois brincos, dos de argola, aciganados, pendiam quase roçando a gola de sua blusinha branca. Maria das Graças tinha ares de noiva. E o de boina, morro acima, com as suas mãos de urso. Muito devagar ele subia e já sabia, de longe, que Maria das Graças embelezava o meio-fio, embelezava o mundo, embelezava o fi...