[ADÃO VENTURA: LEMBRANÇAS DE QUANDO ELE FEZ A TRAVESSIA]


O poeta Adão Ventura e o abutre que ele abriu, abriu com suas mãos tecedeiras do Serro do Frio, e dele deduziu o azul
O poeta Adão Ventura e as suas mãos construtoras, mãos de artesão de palavras, mãos que construíram e desconstruíram as colunas e as  musculaturas do Arco do Triunfo
O poeta Adão Ventura e as suas mãos guerreiras, mãos de Zumbi dos Palmares, revirador pelo avesso do avesso das tinturas da cor da pele
O poeta Adão Ventura em São Gotardo, em 1974, era outubro ou setembro, muitos de nós estávamos lá, Murilo Rubião e Jaime Prado Gouvêa, Sebastião Nunes e Luiz Vilela, Henry Corrêa de Araújo e Benito Barreto.
Muitos de nós estávamos lá e havia luas no céu, algazarras na terra, pândegas entre as gentes de boa vontade. 
O poeta Adão Ventura e a casa que dividimos na Rua São João Evangelista, altos do Bairro Santo Antônio, as noites eram de travessura, as manhãs eram de inventar palavras em páginas invisíveis. 
O poeta Adão Ventura companheiro de viagem ao Vale do Jequitinhonha, nos fins dos anos 70, havia ditadura militar, havia monstros na noite, havia agonia nas noites, mas sabíamos que o combate ao monstro também podia ser feito com o chicote dos nossos risos. 
O poeta Adão Ventura: amigo, fraterno, calmo, paciente, menino sempre menino vindo das serranias do Serro do Frio. 
O poeta Adão Ventura. 
Adão Ventura Ferreira Reis. 
O Adão. 
Tantas tardes na redação do Suplemento Literário do Minas Gerais a vigiar Belo Horizonte pelos janelões que davam para a Avenida Augusto de Lima. 
Tantas tardes, tantas manhãs, tanta algaravia nas mesas do Pelicano. 
O poeta Adão Ventura companheiro de viagem a Guaxupé, quando lancei livros atirando-os sobre a cabeça de leitores que só queriam guarânias dentro de uma boate no meio da noite dentro de uma boate no meio da noite na noite na noite dentro de uma boate. 
E era uma noite com cara de monstro. 
O poeta Adão Ventura. 
O amigo. 
Um sábado à tarde daquele 2004 ele pegou um ônibus.
Ônibus que o levou a uma barca, a barca das longas travessias. 
Acho que voltou para o Serro. 
Acho que foi criar passarinhos. 
Ou foi passar as tardes na preguiça do dever cumprido, lá pelos lados de Santo Antônio do Itambé.

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