[ESCRITORES QUE FICARAM NA BEIRA DA ESTRADA]

[os escritores que ficaram na beira da estrada olham para o bico dos seus sapatos, de vez em quando.]

[ou então olham para trás, lá onde o esquecimento.]

[ou olham para frente, lá onde o nada.]

[de vez em quando, passa pela estrada um comboio de escritores a caminho do lá-na-frente.]

[eles olham para os escritores que ficaram na beira da estrada e acenam, ou riem, ou lhes dão uma banana com os cotovelos tesos e ossudos.]

[de vez em quando, passa um escritor pela estrada em seu veículo deveras possante, em alta velocidade, a caminho do lá-na-frente.]

[esse tipo de escritor todo feito de músculos e determinação e pressa não olha para os escritores que ficaram na beira da estrada.]

[ele some na distância, a caminho do lá-na-frente, e deixa para trás a poeira de sua vitória.]

[os escritores que ficaram na beira da estrada são figuras desidratadas como galhos ou gravetos secos.]

[ficaram na beira da estrada e lá permanecem imóveis, mudos, inexpressivos, como se estátuas de barro em um descampado.]

[não são retirantes, posto que não vão a parte alguma.]

[não são migrantes, pois não há fronteira à vista para cruzá-la ou atravessá-la.]

[os escritores que ficaram na beira da estrada são apenas isto, nada mais.]

[pode ser dia ou pode ser noite. pode ter chuva ou pode abrir o sol.]

[não são mais organismos, não são animais nem bichos, mas coisas que a história já ignorou.]

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