[A POESIA E AS GALINHAS]

[não sejamos otimistas com a poesia.
otimismo vai bem na bolsa de valores,
na porta da loteria, no espanta-azar
de um dia turvo, soturno, macambúzio.

a poesia não precisa de otimismo.
nem de pessimismo. miúdo,
o coração da poesia tem o mesmo
tamanho do coração de uma galinha.

as galinhas também não são otimistas.
nem pessimistas. as galinhas
põem o ovo, se existe ovo, e cantarolam,
ciscam, adormecem sobre um galho,
são cobertas pelo galo, sonham quintais
todas as noites. e morrem, por degola.

ou de susto, pois as galinhas
também morrem de susto, basta um raio,
basta um mistério sem nome 
entre um arbusto e um graveto 
para que as galinhas etc.

não sejamos pois otimistas com a poesia.
risível quando o professor saúda
exércitos de poetas: cem, duzentos, mil,
um milhão de poetas novos todos os dias.

não sejamos otimistas: de susto, 
como as galinhas, a poesia morrerá 
nos ermos de um beco
úmido, assim que a multidão de poetas
aparecer na curva da rua, tal e qual matilha.]

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