[A BUSCA PELA FRASE SIMPLES]
[Bem cedo, mal nasce o dia, você procura a frase mais simples, mas não é fácil encontrá-la. Pode-se dizer que a escrita, o ato da escrita, se resume a essa busca pela frase límpida, translúcida, certeira e exata. Mas o fracasso é uma ameaça a cada linha, os calhaus vocabulares estão à espreita. Bastará um descuido e a frase se enroscará em aranzel pernóstico e pedante.
Aranzel? Eis um exemplo de calhau frásico. Calhau? Eis outro. São seres finórios e moleques esses pedregulhos que entram na frase como se cachorro em igreja aberta. Do nada eles aparecem. E a frase simples, límpida, cristalina, perde a guerra: endurece, enrijece, calcifica a espinha dorsal, e o leitor, ele que chega de modo tão imprevisto de algum país distante da leitura, ganha de presente um monstro.
A exatidão ansiada por Flaubert é de levar qualquer um ao enlouquecimento. Ou de ferver os miolos. Lavra-se o lápis; estende-se a folha em branco sobre a mesa; alumia-se a pequena ideia; uma pequena centelha parece luzir na ponta do grafite e a frase com a limpidez desejada como que se assemelha a um ovo pronto à eclosão.
Mas aí vem o espírito fanfarrão de um objeto adusto, árido, áspero, pontudo. É a tortuosidade de um arame estilístico. O dia avança, a folha acumula garatujas, o lápis lembra um touro ensanguentado que chifra a esmo os fantasmas de toureiros sem rosto. E a frase que surgia de uma fonte de águas inaugurais logo se dispersa pelo cipoal intransponível. Foi-se o dia; foi-se a faina; foi-se a lavra.
Amanhã, bem cedo, recomeçaremos.]

Comentários
Postar um comentário