[O COZINHEIRO DE LETRAS]

[ele apreciava o apetecível 
alquímico de imaginar culinárias 
secretas para aquelas frases 

mais noturnas, certas misturas 
aprendidas em olvidadas cozinhas,
arranjos picantes para as palavras 

do começo, certos temperos 
em fogo para as palavras do fim, 
pitadas de especiarias muito antigas

no miolo de uma sílaba, o agridoce
de uma fruta desaparecida no giro
de uma imagem, exalações de sementes

das fecundadas em fundos úmidos
de florestas, assim ele apreciava
o apetecível alquímico de culinárias

secretas, de modo que os leitores 
insones, tragados pelo oh infinito
do sono sempre adiado, pudessem 

se acomodar no côncavo dessa rede 
textual, e aí, como se em um ninho,
como se em um colo, sob a visão

hipnótica de frases em cozimento,
pudessem fazer a travessia das altas
madrugadas à radiância das manhãs.]

Comentários