[NATAL DE 1956]
Meu pai morreu no Natal de 1956, aos 38 anos. Décadas mais tarde, induzido muito provavelmente por um ataque de soberba, imaginei que ele tinha combinado de morrer no mesmo dia, talvez com poucas horas de diferença, com Robert Walser, aos 78. Meu pai, morto no interior de Minas; Walser, estirado na neve em Herisau, na Suíça. Sim, foi mesmo soberba minha unir essas datas de mortes: a de um comerciante de secos e molhados, dono do Armazém Nossa Senhora das Graças, com a de um escritor que, assim que eu conhecia mais e mais a sua obra, mais ele se tornava inseparável, leitura frequente, motivo de visitação e revisitação contínua a seus livros. Não me lembro quase nada do meu pai. A não ser aqueles fiapos de imagens que uma criança de cinco anos pode captar em sua infância. E esses fiapos de imagens se misturam obviamente naquele território limítrofe entre sonho e vigília, entre o que é e o que não é, cenas borradas ou em dissolução até o nada de uma parede branca. Hoje tenho idade para ser pai dele e tenho filhos mais velhos do que ele. Walser, por sua vez, sempre representou para mim uma ideia de fragilidade. A fragilidade em um homem simples, aquele tipo de pessoa simples que parece estar se perguntando constantemente o-que-diabos-estou-fazendo-aqui antes de se dissipar qual fumaça, qual vapor. Aqueles ternos mal ajambrados, o chapéu sem pedigree, o olhar um tanto vago. A junção que fiz dessas duas mortes na mesma data, porém, a de Alberto Assunção e a de Robert Walser, volta e meia põe mais algumas linhas a esmo em um livro a caminho que parece não terminar nunca.
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