[ENQUANTO VOCÊ LÊ UM LIVRO]


Do nada, a frase pulou nos olhos do leitor. Ia o leitor a passos de cágado, muito assim-assim devagarinho em sua leitura, quando a frase, do nada, pulou nos olhos dele. Pulou mesmo. Assemelhou-se (a frase saltante) a uma lagartixa branca. Ou à língua de um sapo.

Uma frase que pula ou salta nos olhos dos leitores é fenômeno raro. Ou melhor: inédito. Em sentido figurado, é claro que, havendo a sedução de parte a parte (do leitor pela frase e da frase para o leitor), há, sim, frases que tomam de assalto os olhos do leitor ou leitores que mergulham na frase como se em uma praia grega: pela beleza contida na frase, por exemplo. Ou por seu ritmo. Ou por seu mistério.

Já o fenômeno em questão merece análise mais rigorosa. A frase que pulou era de uma novela narrada em primeira pessoa com cinco personagens (dois homens, duas mulheres e um grilo falante). Não menciono o nome do autor para não haver celeumas em um meio tão sujeito a intempéries. Ela possuía (ou possui) doze palavras. Estava (ou está) na página 94 da novela. Começava (ou começa) com o eu da escrita em si e terminava (ou termina) com um advérbio de tempo.

Pois o leitor (a vítima) ia ali pela sétima palavra da frase quando sentiu a escuridão do dia ou as trevas repentinas. A frase, com as suas doze palavras aos modos das pernas de uma aranha, tomara conta dos seus olhos. Ele logo percebeu que estava à mercê de um fenômeno incontrolável. Ao mesmo tempo em que cobria a sua visão, a frase mexia, se contorcia sobre os seus olhos como uma minhoca embriagada. A frase parecia possuir ventosas. Aquelas ventosas de um polvo.

Não quero me alongar, porém. Há demasiadas crueldades à solta e não desejo disseminar mais um caso de terror. Vejo pelo lado menos lúgubre. Imagino que a frase-lagartixa ou frase-aranha fez o que fez com boas intenções. Quis a frase, por exemplo, transportar o leitor de seu estado de modorra para um estado de meditação profunda ou então assim agiu para que o seu sistema cognitivo desse algumas piruetas rumo à lucidez.

Claro, tudo pode acontecer quando estamos com o rosto enfiado nas páginas de um livro. Concordam?

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