[A FEIRA DO MUNDO DE LÁ]
[João Serenus foi hoje com
Franz Kafka à Feira dos Produtos Que Não Existem, situada em um galpão que
também não existe, numa rua que não existe.
Encontraram latinhas de saudade,
bigodes para bem-te-vis, sutiãs para mariposas, batons para as mulheres dos
vaga-lumes, automóveis de bolso.
João Serenus adquiriu uma manivela para dar
corda em relógio que marca suspiros; Franz Kafka levou para a varanda da Praia da Paciência uma lanterna de iluminar olho de gato.
Naquela hora, Salvador emitia desde o mar do Rio Vermelho os avisos para que Serenus e Kafka não esperassem pelo barco das 11 horas.
Serenus e Kafka ficaram quietos, a postos para o barco das quatro da tarde.
A Feira dos Produtos Que Não Existem parece ter sido uma invenção de Gregório de Matos para caçoar das gentes proprietárias de solenidades.
Gentes proprietárias de solenidades vivem em busca da ponta de um laço que jamais se encontra com a outra ponta.
Dá muito tédio observar essas gentes proprietárias de solenidades.
Quem diz isto é o pessoal que vai pela estrada Dendezeiros da Mariquita, um pessoal muito ladino e versado nas artes de afugentar solenidades.
Esse pessoal que vai pela estrada Dendezeiros da Mariquita aprecia recordar dos tempos em que o poeta Gregório de Matos passeava em fuzarcas pelas ruelas e becos do Rio Vermelho.
Pode ser que tudo isto seja lenda.
João Serenus e Kafka, porém, gostam de alargar essas lendas baianas na varanda da Praia da Paciência.
É que toda lenda quando espichada e alargada vira notícia de boca em boca pelas pelos calmos caminhos do pessoal de sandálias.
O poeta Murilo Mendes saudou em poema famoso as lentas sandálias do bem.
Todo ser vivente é amigo do poeta Murilo Mendes.]

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