[O FIM E O RECOMEÇO]
["tudo fenece e logo recomeça", ela disse. e acendeu um cigarro. o turbante recobria a cabeça. avançara com os dias a queda dos cabelos. era apaixonada leitora de edmond jabès. não tinha filhos. foram cinco casamentos. vivia agora a solidão dos dias em um quarto-e-sala da rua tupinambás. chorava às vezes. mas alimentava o seu humor tal e qual se dá a água a um vaso com avencas.
gostava mesmo da frase: "tudo fenece e logo recomeça". enfrentava a doença sem autocompaixão e sem acidez. prescrevia dia após dia a dose exata de levar adiante os últimos dias. recusara as prescrições assustadoras do médico amigo, seu companheiro de quatro anos em paris, na rua amelot, naquele tempo em que o marais exibia o charme das utopias travessas.
fenecer e recomeçar. esse movimento incessante da matéria orgânica. o corpo vai. e recomeça. nem que seja na memória deixada pelas mãos em objetos que encontrara em vida pelo caminho. tocar as coisas. deixar nelas as digitais do afago. dizer. proferir. anunciar-se ao mundo para que o legado dessa anunciação fosse disseminado, transmitido e marcado quando as mãos já não mais pudessem exercer a fortuna dos afagos.
brindou mais duas vezes o copo de uísque com a amiga. sabia que os encontros estavam no fim. mais um, mais dois encontros, com sorte voltaria mais algumas vezes ao bar para essa cerimônia de brindes sem saber do amanhã. à dor, dava a gargalhada pelas ninharias da vida cotidiana. à dor, oferecia os aforismos de jabès como predominância da beleza sobre a miséria.
tudo fenece e logo recomeça. estava magra, mas sentia um vigor descomunal nas mãos como se comandasse as rédeas de um potro bravio. chamava-se márcia. faria 52 anos em outubro. e sabia que o seu sorriso, tão belo, era uma bandeira contra as finitudes sem recomeço.]
gostava mesmo da frase: "tudo fenece e logo recomeça". enfrentava a doença sem autocompaixão e sem acidez. prescrevia dia após dia a dose exata de levar adiante os últimos dias. recusara as prescrições assustadoras do médico amigo, seu companheiro de quatro anos em paris, na rua amelot, naquele tempo em que o marais exibia o charme das utopias travessas.
fenecer e recomeçar. esse movimento incessante da matéria orgânica. o corpo vai. e recomeça. nem que seja na memória deixada pelas mãos em objetos que encontrara em vida pelo caminho. tocar as coisas. deixar nelas as digitais do afago. dizer. proferir. anunciar-se ao mundo para que o legado dessa anunciação fosse disseminado, transmitido e marcado quando as mãos já não mais pudessem exercer a fortuna dos afagos.
brindou mais duas vezes o copo de uísque com a amiga. sabia que os encontros estavam no fim. mais um, mais dois encontros, com sorte voltaria mais algumas vezes ao bar para essa cerimônia de brindes sem saber do amanhã. à dor, dava a gargalhada pelas ninharias da vida cotidiana. à dor, oferecia os aforismos de jabès como predominância da beleza sobre a miséria.
tudo fenece e logo recomeça. estava magra, mas sentia um vigor descomunal nas mãos como se comandasse as rédeas de um potro bravio. chamava-se márcia. faria 52 anos em outubro. e sabia que o seu sorriso, tão belo, era uma bandeira contra as finitudes sem recomeço.]

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